Ligia Lanna e Annick Matalon
A concepção clássica do direito do cidadão aos serviços básicos para uma boa qualidade de vida fundamentalmente se opõe ao privilégio de poucos que os garantem. De acordo com a pesquisa realizada em 2018 (Chauí, 2020), que questionava a população sobre a definição do direito do cidadão e quais seriam os mais fundamentais, as respostas foram: 45% da população tem uma interpretação moral do conceito, ao invés de sua compreensão sociopolítica, compreendendo-o como o que é correto/certo e não como o definem os filósofos do século 18 e a própria ONU. Os 55% restantes entendem o conceito de maneira vaga e apontam a segurança pessoal como o direito principal, e apenas 11% consideram educação como direito e, destes, só 5% consideram-na como função do Estado.
A “situação terrível” descrita pela autora, portanto, é resumida nos seguintes aspectos: poucos compreendem a educação e outros serviços básicos como direitos. Enquanto a maioria da população ignora o que seja um direito, os que o compreendem não os atribuem ao Estado o dever de assegurá-lo (Chauí, 2020). Apesar desta análise estar voltada ao direito estruturante da educação, esta lacuna na compreensão popular trazida por Marilena Chauí também se aplica ao direito à moradia de qualidade, parte do dever do Estado. E seria papel principal da democracia a ampliação e manutenção dos direitos. Por conta das estruturantes desigualdades na sociedade brasileira, das formas de opressão cindidas entre as carências absolutas das camadas populares e dos privilégios absolutos das classes dominantes, Chauí descreve a atual sociedade como antidemocrática, mesmo não vivendo um regime autoritário já há 35 anos.
Neste contexto que se apresenta a importância da trajetória dos movimentos organizados na sociedade civil brasileira, na busca pela garantia de seus direitos. A partir da experiência prática na assessoria técnica Boa Esperança, formada por professores e alunos trabalhando para o movimento de moradia Leste 1, que este texto se inicia.
Requisitada pelas lideranças do movimento, foi a docente Angela Amaral quem norteou o grupo de extensão da Escola da Cidade a realizar o trabalho de consultoria técnica e urbanística para viabilização da construção de um conjunto habitacional em São Mateus na zona leste de São Paulo, com a participação direta das futuras famílias moradoras. Tomando o trabalho como experiência pedagógica capaz de aproximar os alunos a uma faceta da realidade habitacional paulistana, a proposta foi aceita pelo grupo docente e discente, indo muito além de tarefa construtiva, mas de fomentação de debates e formação prática. Antes de um detalhamento das atuações do grupo, se buscará criar um panorama em resgate histórico recente da atuação dos movimentos de moradia e sua relação com a formulação pública de políticas de moradia até chegar no cenário atual.
Todo processo histórico da redemocratização brasileira é acompanhado pelos movimentos sociais que, de acordo com a contextualização política, organizaram as demandas e reinvindicações por direitos sociais e melhores condições de vida de setores socialmente excluídos do crescimento e da vida econômica do país, se solidificando principalmente pelo fato de ainda possuírem uma ordem estruturada no combate à ditadura.
Antes disto, a política habitacional desenhada pelo Regime Militar estruturou-se pelo Banco Nacional de Habitação – BNH, fundado em 1964 , e se caracterizou tanto pela falta de serviços e equipamentos básicos na região quanto de relação urbanística com o entorno, com conjuntos habitacionais localizados nas periferias das cidades, além da falta da representatividade e atuação ativa da população contemplada.
(…) O conceito de déficit habitacional, em vigor na época, propunha a substituição das habitações abaixo de determinados padrões mínimos por novas unidades, o que contribuía mais para consolidar o mercado de construção, do que para resolver os problemas de moradia. (…) A maioria da população se virou como pôde: em favelas à beira de córregos, na autoconstrução de suas casas na periferia, sem orientação técnica, em lotes irregulares, nos cortiços cada vez mais adensados, em condições extremamente precárias. Mas os problemas urbanos são também indutores de movimentos sociais que resistem e lutam para desenhar novos caminhos” (AMARAL, 2002: p.10)
Mais tarde, a experiência de governo do Partido dos Trabalhadores, determinou uma transformação dos movimentos de moradia, antes estruturados pelo combate ao regime ditatorial, porém a institucionalização dos movimentos sociais não foi uma decorrência do crescimento da presença do partido no Estado, mas uma estratégia que esteve presente desde o princípio. O novo modo de governar defendido pelo PT se baseou na relação do poder público com a participação popular organizada, as experiências de base e de grande poder de mobilização em massa (Guerreiro, 2019).
O início da articulação da União Nacional de Movimento por Moradia (UNMP), para qual a assessoria presta seu serviço, na década de 1980 se insere precisamente neste contexto. Em 1989 consolidou-se, a partir do processo de coletas de assinaturas para o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular que criou o Sistema, o Fundo e o Conselho Nacional por Moradia Popular no Brasil (Lei 11.124/05). Segundo a descrição apresentada pela página do próprio movimento, seu objetivo principal é: “articular e mobilizar os movimentos de moradia, lutar pelo direito à moradia, por reforma urbana e autogestão e assim resgatar a esperança do povo rumo a uma sociedade sem exclusão social. Sua atuação se dá nas áreas de favelas, cortiços, sem-teto, mutirões ocupações e loteamentos”.
Em breve resgate histórico, é preciso citar como fator inicial na formação do cooperativismo no Brasil a aliança ao pioneirismo uruguaio, que gerou experiências de moradia social como em Vila Nova Cachoeirinha no ano de 1982 – gleba municipal que concentrou os primeiros mutirões da cidade. Apesar da experiência contribuir com mudanças na realidade sócio econômica da cidade de São Paulo, existiram diferenças entre os modelos habitacionais dos países que não permitiram sua mesma consolidação, o que Bavarelli deixa claro:
“Ainda é preciso recorrer às cooperativas de ‘vivienda por ayuda mutua’ para avaliar a extensão do que permaneceu ausente na legislação cooperativista e na economia da urbanização de nossas cidades para que este mesmo modelo pudesse ser aqui o que foi no Uruguai: uma alternativa habitacional economicamente competitiva, para além (ou aquém) dos valores morais ou pedagógicos que comporta.
Nos espaços que emendam estas ausências legais e econômicas, aparece a solução jurídica brasileira para que houvesse autogestão onde não podia haver cooperativas: a associação comunitária de construção. Nascidas de uma impossibilidade prática, elas serão ainda assim indutoras de importantes modificações nas políticas de habitação da Prefeitura Municipal de São Paulo”.
(BAVARELLI, 2011: p.77)
Com a consolidação dos movimentos sociais urbanos, as demandas e pressões organizadas contribuíram decisivamente para a conquista de vários direitos sociais que foram inscritos em leis na nova Constituição Federal de 1988 (GOHN, 2011). Neste contexto, Luiza Erundina é eleita prefeita de São Paulo em 1989 visando atender às demandas sociais com participação popular e mudando o rumo dos mutirões iniciados pelo impulso uruguaio. Mais tarde, com o Decreto de Habitação de Interesse Social – HIS, publicado em 1992, a produção de habitação de interesse social e a autogestão foram normatizadas, como descreve Amaral (2002):
“Do ponto de vista da consolidação de canais de participação e controle popular, garantiu-se o direito à justiça e à defesa na luta pela terra, por meio de convênios com entidades de assistência jurídica conveniadas e remuneradas pela prefeitura, que atendiam a indivíduos e associações de moradores localizadas em todas as regiões da cidade. Além disso, foi criado o Funaps Comunitário, um programa que visava estimular a autogestão nos empreendimentos financiados pelo município. O Funaps propunha a ação em parceria entre associações de mutirantes, organizações não-governamentais que prestavam assessoria técnica – ONGs – e administração pública”.
(AMARAL, 2002: p.21)
Um dos espaços privilegiados para este tipo de atuação, que aliava arquitetos às demandas colocadas pelos movimentos de luta por habitação, foram os laboratórios por moradia, que começaram a se estabelecer nos anos 80 em diversos cursos superiores de arquitetura e urbanismo. Como pioneiro, tem-se o Laboratório de Habitação FEBASP.
De acordo com o trabalho de Pompeia (2007), até aquele momento não se encontravam iniciativas universitárias de participação responsável nos problemas habitacionais e urbanos do país. Estas experiências pedagógicas, relacionadas com o contexto de redemocratização e com um ímpeto existente de apoio às lutas e causas sociais, buscavam atender às demandas urbanísticas da população em grupos de extensão e aliavam o conhecimento acadêmico às necessidades emergenciais das grandes cidades brasileiras.
Mais tarde, com surgimento de outras formas de organização popular, mais institucionalizadas – como os Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana, o Fórum Nacional de Participação Popular, dentre outros – emergiram várias iniciativas de parceria entre a sociedade civil organizada e o poder público, impulsionadas por políticas estatais (GOHN, 2011: p.342).
Com os mandatos do Partido dos Trabalhadores no governo federal, se consolidou o programa habitacional Minha Casa Minha Vida. Lançado em 2009 no Governo Lula, constitui um novo momento de articulação entre o Estado e o poder popular. Anteriormente, nos anos 2000, houve uma mudança de estratégia dos movimentos, que deixaram em parte a ação direta de ocupação e passaram a lutar no campo legislativo e no programa urbano executivo levantado no parágrafo anterior. Este movimento, como apresenta Guerreiro (2019), foi de conquista de autonomia, não de cooptação pelo Estado, e foi duplo: por um lado, a ambição de parte do movimento social de habitação, a mais consolidada, era ter autonomia na produção da moradia, se apropriando de todos os processos de sua produção, por outro lado, em oposição, a outra parte menos consolidada negava esse processo de institucionalização e firmavam seu caminho na ação direta de ocupação. A sua ambição ia além da conquista da habitação e buscava o reconhecimento e o questionamento acerca do lugar do sujeito periférico de forma mais ampla, se opondo frontalmente a luta apenas pelas condições de reprodução de vida do trabalhador (Guerreiro, 2019).
O PMCMV transforma a relação entre essas estratégias opostas e as relações sociais destes agentes como um todo. O cenário muda, os limites e as potencialidades dos movimentos também.
Em apenas cinco anos o programa contratou quase 80% das unidades que o BNH financiou em seus 22 anos de existência. Atendendo primordialmente famílias de menor renda, possuiu níveis de subsídios que chegaram a 96% dos valores financiados (AMORE, 2015).
“[A criação do programa se insere] desde 2003, em um processo muito mais cuidadoso de construção política de um sistema de cidades e de habitação de interesse social. Mesmo com as mudanças na condução política da pasta, ocorridas em 2005, a Secretaria Nacional de Habitação procurava manter essa construção: tentava implementar o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) – nascido do primeiro projeto de lei de iniciativa popular, apresentado ao Congresso Nacional em 1991 e aprovado em 2005 – e conduzia um processo participativo de elaboração de um Plano Nacional de Habitação (PlanHab). (…) O contexto da crise econômica, junto com o enfraquecimento do Ministério das Cidades no seu papel de formulador e condutor da política urbana, levou o governo a acolher a proposta do setor da construção civil, apostando no potencial econômico da produção de habitação em massa” (AMORE, 2015: p.21).
Com o foco na quantidade e não na qualidade, problemas arquitetônicos e urbanísticos caracterizaram fortemente o programa ao longo da construção das milhões de habitações, visando em primeira instância a geração de emprego em diferentes setores e incentivo ao consumo, sendo uma produção diretamente de mercado e dispensando em grande medida a gestão pública.
“O PMCMV altera objetivamente a correlação de forças dos movimentos de moradia dentro da formação social brasileira na medida em que faz relacionar, necessariamente, suas estratégias de reprodução política àquelas de reprodução do capital imobiliário numa fase de consolidação da sua forma financeirizada, dentro da particularidade do país” (Guerreiro, 2019; p.3).
Mas é na modalidade Minha Casa Minha Vida Entidades Empreitada Global que se encaixa o trabalho realizado pelo grupo Boa Esperança junto à Leste 1. Conforme descrito no próprio site da CAIXA, o programa foi criado em 2009, com o objetivo de tornar a moradia acessível à população organizada por meio de cooperativas habitacionais, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos, dirigido a famílias com renda até a faixa 1 (R$1800,00). Segundo Amore (2015):
“[Esta modalidade] permite que entidades populares sejam responsáveis diretas pelos contratos, que organizem as famílias beneficiárias, discutam os projetos e acompanhem a execução das obras, com a obrigação de que a produção seja acompanhada de trabalho social, organizativo e comunitário, com recursos destinados exclusivamente para isso” (AMORE 2015: p.22).
Estando a produção autogestionária na pauta dos movimentos de moradia desde a década de 80, a modalidade pode ser considerada um resultado de uma luta contínua que transpassou governos e diversos programas, por meio de caravanas, jornadas, ocupações e manifestações (Rodrigues, 2013). É a modalidade Entidades que estrutura os trabalhos dos poucos grupos de consultoria formais que se mantiveram em atividade ao longo do tempo em laboratório e assessorias técnicas no Brasil inteiro.
Ao mesmo tempo que gerou formato completamente inédito de produção habitacional, a modalidade Entidades segue a mesma lógica do programa federal, conformando o direito à moradia como mercadoria abstrata sem vinculações com a cidade e o trabalho, o movimento popular se conformando como agente público-privado e sua participação política via consumo. O Estado fica responsável por gerar a liquidez que apenas o déficit habitacional não é capaz de proporcionar ao mercado da construção civil (Guerreiro, 2019).
“(…) a estratégia política dos movimentos (e não as Entidades stricto senso) que se amoldaram ao Entidades-EG passou a se centrar na negociação de áreas junto ao Estado e na manutenção de uma lista de cadastro, organizada de acordo com a participação das famílias em atos que, por sua vez, têm a função de valorar a capacidade de mobilização do movimento – que alimenta a negociação. A forma cíclica leva à contradição: mobiliza-se para negociar e negocia-se para mobilizar (…)” (Guerreiro, 2019; p.5).
Neste complexo cenário que o grupo Boa Esperança estabelece uma atuação possível no cruzamento entre o campo acadêmico e a luta dos movimentos organizados, buscando financiamento em edital da modalidade Entidades. Inicialmente, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Leste 1, braço da união nacional UNMP e seu representante da zona leste do município de São Paulo, inseriu-se no processo de seleção pública em um edital promovido pela Cohab no final de 2014. Na época, a prefeitura de São Paulo estava sob gestão do prefeito Fernando Haddad, que disponibilizou imóveis já pertencentes à Cohab e outros em processo de desapropriação para entidades em busca de moradia de interesse social.
O trabalho da Assessoria Técnica Boa Esperança é definido como experiência pedagógica capaz de ampliar a formação do estudante para enfrentamento dos problemas e demandas sociais prioritárias em diálogo direto com grupos e movimentos organizados que buscam alternativas concretas para sua condição de moradia e de vida. O trabalho propõe também aproximar os estudantes aos processos auto gestionários de projetos, nos quais a troca de saber entre a população e os técnicos contribua para construção de novas dinâmicas sociais e para atuações profissionais com qualidade de vida, indo muito além de tarefa construtiva, mas de fomentação de debates e formação prática.
Assim, a partir de plenárias quinzenais com as famílias selecionadas pela Leste1, em processo participativo autogerido, foi realizada a primeira entrega feita para a Caixa Econômica, para participação da seleção para obter financiamento público. Além da apresentação do projeto inicial e toda documentação necessária, foi requisitado mapeamento urbanístico da infraestrutura do entorno, além da produção de tabelas referentes às suas distâncias até o terreno visado.
O terreno que se almejou para a construção se encontra na zona Leste do município de São Paulo, no bairro de São Mateus, tem enorme dimensão e não possui uso social, em estágio inicial na desapropriação já há anos. A escolha do terreno em área periférica, não inserido em polo de empregos, revela uma reprodução de modelo habitacional vigente, em que o baixo custo na metragem quadrada é determinante para a escolha do terreno a ser adquirido pelo poder público.
Em contraponto, a investigação urbanística realizada pelo grupo junto às famílias, em sua maioria moradoras vizinhas ao lote, buscou compreender os potenciais de infraestrutura urbana já existentes no bairro, sendo então possível compreender o contexto em que se propiciariam as moradias. É preciso considerar as mudanças e o desenvolvimento da zona leste desde as primeiras ocupações como periferia habitacional de São Paulo. A região não pode ser definida por uma simples oposição ao centro, mas considerada como rede de laços culturais e afetivos de quem estruturou sua vida lá, em relação dialética e complementar à uma cidade considerada “formal”.
Após o desenvolvimento do projeto junto à Leste 1, o grupo realizou a entrega de uma primeira versão para o licenciamento na Cohab, que prevê a construção de quatro edifícios habitacionais de 12 andares para 264 famílias. As quatro torres são conectadas por passarelas e intercaladas com áreas destinadas ao uso comunitário, institucional, de lazer e comércio, além de haver cessão de área perimetral do terreno para aumento da calçada pública. Como forma de qualificar as habitações, as passarelas foram desenhadas com vazios em frente às janelas dos cômodos, possibilitando uma melhor ventilação, iluminação e privacidade em relação aos outros condôminos que as utilizam. Estas se configuram para além de espaço de passagem, possuindo amplitude que lhes permite ser local de estar e interagir. Buscando conciliar a integração dos pavimentos com a área comum ao centro do terreno e ao mesmo tempo sua privacidade, chegou-se à solução de elementos vazados no fechamento das passarelas em frente às portas e janelas, permitindo ainda entrada de luz e ventilação para os apartamentos, e um guarda corpo comum nas pontes, integrando-as visualmente ao conjunto.
Dentro da categoria HIS – 1, as unidades habitacionais se configuram por duas tipologias de 57 e 59 m2, com variação de tamanho relativa à forma dos blocos na implantação do terreno. Por meio das assembleias, chegou-se ao consenso da importância de varandas em todas as unidades. Além dos padronizados dois quartos, banheiro, sala e cozinha, a configuração de uma das tipologias permite o recorte de parte da sala para dar lugar a outro novo dormitório.
Aspectos ressaltados e revisitados nas assembleias foram as constantes discussões a respeito da segurança dentro do conjunto, que revela a importância de considerar aspectos do pós-uso na concepção do projeto. Além disso, as polêmicas vagas de garagem foram foco de muitas discussões, por conta da importância dada pela maioria das famílias aos transporte individual, prezando pela independência dos modais públicos principalmente em casos de compras, lazer ou emergências de saúde. Apesar de serem bastante valorizadas pelos futuros moradores, a grande quantidade de vagas significaria a diminuição de famílias contempladas pelo uso dos metros quadrados do terreno, argumento bastante frisado nas falas das lideranças do movimento.
Outros pontos consensuais foram o parquinho para crianças, quadra para uso de todas as idades, espaços e boa mobilidade para idosos, além do uso coletivo e área verde na cobertura serem unânimes, mas a possiblidade de lavanderia coletiva continuou como uma polêmica a ser resolvida.
Toda relação de prazos estabelecidos pelo Ministério das Cidades para a apresentação de pleitos no edital de financiamento lançado por meio do MCMVE foi alterada no início do ano de 2017, reverberando alterações na política federal de habitação no Governo Temer. Assim, o edital foi oficialmente restringido para apenas empreendimentos em estágio de obras, eliminando todos aqueles em estágio de projeto, como o Boa Esperança.
Em 2019, com o atual governo Bolsonaro, o decreto do fim da participação de toda faixa 1 do programa federal de habitação extingue oficialmente novos financiamentos na modalidade Entidades sem a abertura oficial de novo programa, restando às famílias do movimento a pressão e a busca por outros financiamentos. Acompanha-se de perto a articulação de novo programa habitacional em nível municipal, o “Pode Entrar”, prometido pelo prefeito de São Paulo Bruno Covas, mas ainda distante de ser viabilizado. Apesar disso, o movimento vem fomentando discussões a respeito de outras modalidades de financiamento como a PPPop, a Parceria Público-Popular. Já o terreno ainda não foi desapropriado, aguardando depósito pela COHAB do valor avaliado pelo perito, para que sua posse possa ser destinada ao Movimento Leste 1. Apesar da desapropriação regulamentada pelo edital no governo Haddad em 2014, o órgão de habitação demonstra sempre falta de interesse político em dar prosseguimento na ação tanto de desapropriação quanto na aprovação do projeto no PARHIS.
Sendo o movimento social responsável pela coordenação e estruturação da reivindicação por moradia, ele assume papel de sujeito ativo central, impulsionando o processo, sendo necessário ao conjunto de profissionais da construção apoiarem a luta pela demanda dos direitos sociais no momento atual. O desenvolvimento de um projeto participativo, a articulação e a constante pressão aos órgãos municipais pela sua aprovação e a viabilização do terreno seguem como ferramenta para fomentar e alavancar a luta dos movimentos populares. Fazendo uso das práticas e possibilidades que são viáveis aos estudantes de arquitetura e urbanismo para integrar na viabilização de uma demanda extremamente urgente.
Referências Bibliográficas
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- AMORE, C. S. Viver na cidade, fazer cidade, esperar cidade. Inserções urbanas e o PMCMV-Entidades: incursões etnográficas. In: Santo Amore, Caio; Rufino, Maria Beatriz Cruz; Shimbo, Lúcia Zanin. (Org.). Minha Casa… E a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros. 1ed.Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015.
- BARAVELLI, J.E. O COOPERATIVISMO URUGUAIO NA HABITAÇÃO SOCIAL DE SÃO PAULO – Das cooperativas FUCVAM à Associação de Moradia Unidos de Vila Nova Cachoeirinha. Tese (Mestrado), FAU – USP, 2006.
- CHAUÍ, M. Produção de conhecimento e emancipação social – Diálogo com Marilena Chauí. Palestra organizada por grupo discente da FAUUSP. São Paulo, 2020 <https://www.youtube.com/watch?v=1obcDvC1JIY&t=2141s>
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- GOHN, M. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Caxambu – MG, 2011.
- MARICATO, E. Autoconstrução a arquitetura possível. Revista Espaço e Debates. n.3, ano I, set.1980.
- MARICATO, E. “Nunca fomos tão participativos”. Disponível em: <http://www.fau.usp.br/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/maricato_nuncafomos.pdf>
- POMPEIA, R.A. Os Laboratórios de Habitação no ensino de Arquitetura: uma contribuição ao processo de formação do arquiteto. Tese (Doutorado), FAUUSP, 2007.
- RODRIGUES, E.L. A estratégia fundiária dos movimentos populares na produção autogestionária da moradia. Dissertação (Mestrado) – FAUUSP, 2013.
- Estatuto Social da União Nacional por Moradia Popular – Site oficial da Leste 1.