Michelle Morini e Lívia Braggio
As Parcerias Público – Privadas (PPPs) vem sendo cada vez mais cotidianas na lógica administrativa das cidades brasileiras, sendo utilizadas em rodovias, metrô, sistema de saúde, parques e áreas verdes ou até mesmo na construção de habitação social. Esse crescimento se deve, de acordo com o governo, pela insuficiência de recursos públicos para pagar os projetos, obras e manutenção; além de qualificarem as empresas privadas como meios mais eficientes para a realização dos mesmos, quando comparado ao sistema estatal.
A PPP de habitação social em São Paulo é uma intervenção estadual, promovida no âmbito do programa Casa Paulista, em parceria com o município de São Paulo, e atualmente está focada na reestruturação do centro da cidade de; mudando a estratégia anterior baseada no incremento de aparelhos culturais para construção de habitação social no centro. Se trata de uma política “market-friendly”, visando gerar mudanças urbanísticas por meio de incentivos ao mercado imobiliário, o que acaba normalmente gerando gentrificação onde são implementadas.
Tecnicamente a PPP da Habitação funciona por meio de uma concessão visando ofertar HIS (Habitações de Interesse Social) e HMP (Habitação de Mercado Popular), além de serviços de cunho social de pré e pós ocupação e a implementação de espaços voltados a usos não habitacionais, como comércio e serviços, equipamentos sociais e infraestrutura no geral; como a capacitação para gestão condominial e demais serviços de apoio. O objetivo é proporcionar de maneira eficiente, ou seja com rapidez, qualidade e sem prejudicar os cofres públicos, habitação social para famílias que precisam desse serviço garantido pelo Estado.
Funções Privado | Funções Público |
Elaborar projetos e obter alvarás e licenças de aprovação | Lançar o edital, contratar as empresas e monitorar a PPP |
Construir moradias populares e de mercado | Disponibilizar imóveis públicos para todas as construções de HIS ou desapropriar |
Construir e explorar espaços para usos não residenciais (comércios, serviços, infraestrutura, lazer, industrial, logística) | Arcar com os riscos e dar garantias à PPP. Analisar e autorizar que sejam feitas moradias em local diferente do solicitado |
Implantação de equipamentos e melhorias urbanísticas (quando previstas no edital) | Contratar empresas especializadas para acompanhar, fiscalizar e controlar as obras |
Fazer o trabalho social de pré e pós ocupação, a manutenção das edificações e a gestão de condomínio pelo período da concessão (20 anos) | Pagar para as empresas pelas habitações construídas e serviços prestados em contraprestações pelo período da concessão (20 anos) |
Porém após cerca de oito anos do início das PPPs de habitação no centro de São Paulo, com projetos finalizados na região da luz, fica bem óbvio que o projeto ainda contém muitas lacunas e falhas. Até agora ele não contribuiu efetivamente para o motivo que foi criado, oferecer HIS e HMP para famílias que não teriam acesso à habitação sem auxílio governamental, uma vez que a população mais vulnerável não faz parte da real lógica de produção dessas habitações, já que a demanda a ser atendida é para quem pode pagar, pois não está incluído o atendimento para quem está na faixa de menos de um salário mínimo ou quem não pode comprovar renda. Lembrando que segundo o gerente da PNAD Contínua do IBGE, Cimar Azeredo, o percentual de trabalhadores informais na população ocupada chegou a 41,3%. A PPP de Habitação também não apresenta garantias no edital, apenas em alguns lotes, de atendimento à famílias removidas.
A PPP de Habitação do Centro de São Paulo apresenta, resumidamente já no edital, dois pontos bem problemáticos:
- Atuação sobre territórios ocupados, promovendo remoções de população pobre residente (Demolição em ZEIS 3, sem conselho gestor) ignorando a prioridade dessas populações pelas vagas das habitações sociais a serem construídas nos terrenos da remoções
- Não absorve a população local (incluindo a derivada das remoções) pois 80% das unidades deveriam ser destinadas a quem morasse fora do centro, na tentativa de aproximar a habitação do trabalho
O programa também vem expondo a falta de diversidade de formas de disponibilizar habitação social, se utilizando somente da lógica de propriedade privada; injetando dinheiro e recursos públicos (terras) que acabam subsidiando moradia para faixas mais altas (que têm a viabilidade de pagar por uma propriedade privada), sem um retorno para a comunidade geral. Retirando a população pobre para recolocação de uma população menos pobre no mesmo local.
Como exemplo podemos falar sobre o complexo Júlio Prestes, na região da Luz, que ocupa as quadras 49 e 50, onde entre os anos 1960 e 1980 existia o terminal rodoviário da luz. A obra já foi entregue e suas unidades já foram sorteadas de acordo com o previsto no edital; a PPP também incluiu a requalificação da praça Júlio Prestes.
Essa PPP, elaborada pelo Governo Estadual e conveniada com o município durante a gestão Haddad, foi implementada inicialmente em uma área de ZEIS 5 e por isso não precisou construir HIS tipo 1 (0 – 3 salários mínimos). Então se trata de uma PPP que abriga uma população de faixa monetária mais alta que as outras PPPs na mesma região central de São Paulo, como a futura PPP para as quadras 37 e 38 do bairro dos Campos Elísios que ocupa uma área demarcada como ZEIS 3.
A PPP Lote 1 – Área Central da Cidade de São Paulo, foi a primeira PPP do governo do Estado de SP para habitação Social. O contrato foi firmado em 23/3/2015 com a Empresa Canopus Holding S.A. e com edital divulgado em setembro de 2014. De acordo com o site da secretaria de habitação: “Localizado no distrito da Barra Funda, prevê-se para esse lote a implantação de 3.683 unidades habitacionais, sendo 2.260HIS – habitações de interesse social, para famílias de 1 a 5 pisos salariais, e 1.423 HMP – habitação de mercado popular, para famílias de 5,1 a 10 pisos salariais (SECRETARIA DE HABITAÇÃO, 2017).
Apesar de termos tido mudanças importantíssimas no Plano Diretor de 2014, que aumentou o percentual construtivo para as populações de renda mais baixa e a divisão de HIS 1 (0 – 3 salários mínimos) e HIS 2 (3 – 6 salários mínimos), e também criou mecanismos para a constituição de um banco de terras para HIS, os programas propostos para o acesso de habitação social continuam não sendo suficientes e completos para o problema que eles se propõe a resolver. E as PPPs são atualmente a maior aposta governamental para construção de habitação social pelos governos do Estado e do município de São Paulo, e não são satisfatórias, seja pelas questões já previstas em edital, pelas consequências em não incluir a população mais pobre no acesso habitacional, e por estar produzindo habitação financiada como única estratégia.
Para ser possível dar resposta às complexas necessidades habitacionais é preciso uma maior diversidade de formas de acesso à habitação, e não um único programa focado somente em novas unidades que serão comercializadas pelo mercado.
Para uma solução que parecia ter levado em conta todos os princípios de um bom urbanismo (quadras abertas, habitação mista com mistura de classes e comércio no térreo) e ainda priorizando espaços subutilizados do centro para a consolidação de habitação social, o resultado vem se mostrando muito contraditório, sobretudo por estar removendo populações pobres e não oferecendo alternativa à essas famílias.
Referências Bibliográficas:
Cartilha de PPPs Habitacionais em São Paulo – LabCidade, FAUUSP e União dos movimentos de moradia SP
Gatti, Simone. PPP de Habitação: Muitas perguntas ainda sem resposta. In: LabCiidadeFAUUSP. 2014. Disponível em: <http://www.labcidade.fau.usp.br/ppp-da-habitacao-muitas-perguntas-ainda-sem-respostas/>
http://www.habitacao.sp.gov.br/icone/detalhe.aspx?Id=9