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Fundo FICA: onde estão e onde podem chegar?

Flora Campos, Leonardo Sarabanda e Victória Liz Cohen

O déficit habitacional no Brasil se põe, hoje, como um dos grandes desafios dos centros urbanos em função da falta de políticas públicas adequadas, a financeirização da moradia, a periferização das grandes cidades e o interesse privado sobre a propriedade. Posto esse cenário, em 2015, um grupo de cidadãos profissionais de diversas áreas interessados no problema da moradia, da especulação imobiliária e do deslocamento na cidade se juntou para formar o Fundo FICA.


O FICA é um fundo imobiliário controlado por uma associação que propõe um modelo alternativo ao tradicional mercado imobiliário, protegendo terras e propriedades da especulação imobiliária e assegurando um uso mais igualitário desses recursos crescentemente escassos nos centros urbanos. Sua atuação ocorre por meio da aquisição de imóveis em nome da Associação na região central do município de São Paulo, utilizando recursos acumulados a partir de contribuições individuais e projetos paralelos, e da subsequente locação desses imóveis por um preço de custo, instituindo o modelo de propriedade comunitária associativa.


Em 2017, com apenas dois anos de existência, o FICA adquiriu seu primeiro apartamento-piloto. Foi feita uma reforma no apartamento de 47m² em busca de maior ventilação e iluminação natural, bem como a reorganização dos cômodos da cozinha e do banheiro para melhor acomodar a família de cinco, um casal e três crianças. Recentemente, o fundo arrecadou recursos suficientes para a compra de um segundo imóvel que tenha as mesmas características do primeiro apartamento, através, principalmente, de doações individuais e mensais.


Pretendemos, a seguir, explorar as possibilidades de escalabilidade desse projeto. Para isso, tivemos a oportunidade de conversar com Renato Cymbalista, professor livre-docente da FAU-USP e um dos fundadores do FICA. Ele nos contou de sua experiência dentro da associação e as possibilidades vigentes de ampliação da atuação do FICA.


Questionado sobre a escalabilidade da atuação do FICA, Cymbalista afirma que o que está sendo feito já é muito. “Estamos construindo um ator social que tem condições de mobilizar a propriedade para finalidades não especulativas”. Antes de tudo, o FICA é uma moldura jurídica e administrativa pioneira no Brasil que, teoricamente, permite mobilizar propriedades de todos os tipos (urbana, rural, de preservação ambiental etc.) para fora do mercado especulativo; prática comum em cidades européias. Ao longo da conversa, surgiram menções a algumas dessas organizações que serviram como base teórica para o FICA; notavelmente as Fundações Edith Maryon e Trias, que atuam na compra e concessão de terras na Suíça e na Alemanha para uso social, porém não restrito a habitação. Ambas essas organizações, assim como o FICA, possuem receitas provenientes de contribuições privadas. Além dessas, comentou-se sobre o projeto Estela de Esperanzas, da Fundação Hábitat para la Humanidad Argentina (HPHA), em Buenos Aires, que construiu no lugar de um antigo cortiço, no bairro de La Boca, um edifício que hoje comporta oito famílias em condições de moradia superiores à oferecidas no mercado.


No Brasil, até então, haviam apenas organizações cujo alvo e atuação eram muito específicos, como o Instituto Arapyaú e Fundação Grupo Boticário, que atuam na preservação ambiental e desenvolvimento social de determinados territórios. O FICA é a única organização, até então, que trata a propriedade no seu sentido amplo e genérico. Em seguida, a pergunta a se fazer é “depois desse ator social inventado, como ele pode ser escalado?” A resposta é “a sociedade como um todo, inclusive o Estado. O engajamento da sociedade é essencial para a ampliação do projeto e, além disso, a apropriação desse modelo jurídico administrativo criado e tipificado pelo FICA é encorajada, sendo até possível utilizar a estrutura do FICA como ‘barriga de aluguel’ para novas instituições.”


Outra alternativa apresentada é a de parcerias com o poder público, detentor de inúmeros imóveis, porém, amiúde, sem os recursos para gerenciá-los. Além da aquisição de propriedade, o FICA organiza publicações e workshops e redige dispositivos e minutas de termos de parcerias que reivindicam a disponibilização de alguns imóveis do Estado para instituições como o FICA. Essas tentativas de parcerias, contudo, ainda não obtiveram sucesso. Essa falta de êxito nas parcerias público-privadas se deve à dificuldade do Estado em inovar, mobilizar experiências e se relacionar com agentes sociais novos visto que necessitaria de um investimento jurídico, administrativo e político muito grande.


Uma alternativa que está se perseguindo agora é a do investimento ligado ao negócio de impacto social através do programa RequaliFICA. Trata-se de um projeto vencedor de um edital internacional concebido pelo FICA, cuja proposta é adquirir imóveis atualmente utilizados como cortiços e reabilitá-los, transformando as unidades precárias e insalubres em moradia de qualidade, garantindo os direitos dos locatários. Para isso, está se criando um modelo jurídico e comercial e arrecadando o capital necessário por meio de investidores para a aquisição e requalificação de um primeiro cortiço. Realizado esse projeto, se comprovaria a hipótese de que não é a falta de capital que proporciona condições de moradia insalubres, superlotadas e demasiadamente caras e, sim, a ausência de um proprietário ético que aceita menos que a rentabilidade máxima da sua propriedade.


Esses são, portanto, três dos caminhos possíveis para que a atuação do FICA alcance escala. Criado o tipo jurídico do proprietário não especulativo, a sociedade civil pode utilizá-lo e escalá-lo conforme a necessidade. Talvez esse seja o cerne da experiência iniciada pelo FICA, mostrar que é possível fazer um modelo de aluguel economicamente e juridicamente viável que seja, na sua essência, socialmente justo e ético. Sem o aporte de um grande investidor, filantropo ou proprietário de terras ou o investimento energético do Estado, as possibilidades de ampliação do FICA enquanto agente individual se limitam e, por isso, o ônus do não fazer não pode recair sobre ele e, sim, sobre as partes frequentemente omissas ou desinteressadas mencionadas acima.

Imagem destacada: Maquete eletrônica da exposição do FICA na Bienal de Arquitetura de Chicago de 2019, onde o apartamento#1 foi reproduzido em escala real. Fonte: fundofica.org

Referência Bibliográfica:

ANTUNES, B. e CYMBALISTA, R. O que é um proprietário Ético. Pistache Editoria, AnnaBlume, 2019.

Site consultado:

Site oficial Fundo Fica . Acessado em 05/10/2020. Disponível em: < https://fundofica.org >


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